Eu quis matar a Rafa. Puxa, eu
havia pedido para que ela não contasse nada aos nossos pais. Cachorra!
- Eu pedi a Rafaela não contar
nada para não preocupar vocês.
- E ela fez muito bem em contar.
Afinal, Paulinha, o que está acontecendo com você?
Felizmente não estávamos frente a
frente. Quando minha mãe resolvia fazer algum tipo de cobrança ela era
implacável.
- Não está acontecendo nada,
mamãe. Apenas perdi um estágio.
- Apenas? Você disse “apenas”?
- Escute mãe. Não é o fim do
mundo.
Eu já sabia que aquela discussão
não iria terminar bem. Minhas mãos tremiam enquanto eu segurava o celular.
- Claro que não. Não é o fim do
mundo você ficar sem poder pagar suas contas.
- Mãe, me deixa falar…
- Quem é esse homem com quem você
está saindo?
Pronto. Era onde minha mãe queria
chegar.
- Fernando – respondi dando
graças a todos os santos que o nome “Fernando” era bem comum.
- Por acaso é esse moço que está
entortando sua mente?
- Mãe! – exclamei espantada – O
Nando não tem culpa de nada.
- Pois eu acho que tem sim. Pelo
que sei desde que você começou a andar com ele sua frequência na faculdade
caiu. Agora foi o estágio. Qual é a próxima surpresa? Uma gravidez indesejada?
- Mãe! – de novo eu exclamei – O
que é isto? Eu sou responsável! Não sei o que a Rafaela anda dizendo para você,
mas acho que as informações que estão chegando aí estão equivocadas!
- Então me conte você. Quem é esse
Fernando?
O único consolo que eu tinha é
que muitos quilômetros nos separavam. Perguntei-me se meu pai estaria escutando
a conversa ao lado dela.
- Ele é meu namorado – disse eu
firmemente.
- O que ele faz da vida?
- É advogado de um banco.
Minha mãe ficou em silêncio e eu
achei que era um bom sinal. Talvez seu medo maior fosse que a sua filhinha
caçula estivesse namorando um chinelão.
- É aquele que você conheceu no
ano novo?
- É esse mesmo.
- E ele pretende pagar as suas
contas?
De novo a voz de aço. Minha mãe
era terrível.
- Bem, ele até se ofereceu.
- Escute aqui, Paulinha. Não se
iluda com os homens. Eles são uns amores no início. Depois que usam bastante as
tontas das namoradas, deixam-nas com uma mão na frente e outra atrás.
- O Nando não é assim –
argumentei ficando com raiva.
- Você tem certeza?
- Tenho.
- Não, você não tem. Paulinha,
você mal conhece esse rapaz.
Se
ela soubesse…
- Eu confio nele.
- Minha filha, você precisa ser
mais pé no chão. Enquanto ele fica em uma sala com ar condicionado, você terá
que ir para a rua bater pé, atrás de alguma colocação. O rapaz tem dinheiro? De
onde é a família dele?
Meu coração disparou.
- Ele é de boa família, mãe. Pare
de perguntar sobre ele, está bem? O Nando é um cara maravilhoso.
- Você tem algum plano B?
- Não tive cabeça para pensar em
nada, mãe. Amanhã eu vou me acordar e pôr os pensamentos em ordem.
- Sua irmã está muito nervosa.
- Ficar nervosa não adianta nada
– eu falei quase gritando.
- Pauline, baixe seu tom de voz.
Pronto. Ela me chamou de Pauline.
A coisa estava ruim. Fiquei muda, furiosa.
- Vou passar o telefone para o
seu pai.
A casa caiu. Tudo, menos isso.
- Paulinha… você está aí ainda?
- Estou… - murmurei quando
escutei a voz dele do outro lado.
- Eu não quero acreditar que você
está deixando se levar por um homem.
Meu Deus, que dia horrível. E a
voz do meu pai contribuía para tudo ficar pior.
- Ele é meu namorado, pai. Não é
um cara qualquer.
Aquilo estava me cansando.
Deitei-me no sofá e fechei os olhos, desejando que a conversa terminasse de
vez.
- Escute bem uma coisa, minha
filha. Você trate de arrumar alguma coisa para pôr dinheiro em casa, está bem?
Não é justo que só sua irmã dê duro enquanto você namora, não vai às aulas e
fica de papo para o ar. Estou sendo bem claro?
- Está.
- Não foi para isto que me matei trabalhando
para mandar você para a capital. O que nós combinamos quando você passou no
vestibular?
- Pai, estou me cansando. Eu não
sou nenhuma irresponsável. Perdi o estágio. Vou arrumar outro. Amanhã mesmo eu
vou atrás de alguma coisa. Está bom assim?
- Eu espero que seja esta mesma a
sua atitude, pois se você não der um jeito na sua vida, eu e sua mãe iremos lhe
cobrar tudo pessoalmente.
Quase vomitei. O que menos eu
precisava era de uma visita deles. Imaginei um encontro dos meus pais com o
Nando e a tragédia que seria.
- Não será preciso – respondi
rapidamente.
- Você tem quinze dias, entendeu?
Quinze dias.
- Ok.
- E responda direito.
- Está certo, pai.
Nossa, eu teria que correr atrás
de um emprego urgentemente.
- E por que você não foi à aula
hoje?
- Porque não estou me sentindo
bem.
“E porque odeio esta droga de
curso”. Se ele lesse meus pensamentos seria A Hecatombe.
- Então descanse hoje e vá à luta
amanhã. E ligue todos os dias para nos relatar seus passos.
- Quer dizer que serei vigiada à
distância?
- É isto mesmo. Tenha uma boa
noite, minha filha, e repense seu comportamento.
Desliguei o celular, com ânsias
de atirá-lo contra a parede. Eu queria matar minha irmã. Traidora!
A vida é tão arrastada quando a gente se sente forçado a fazer algo que não gosta.. eta.
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