Ela chegou perto das nove horas
da noite e me encontrou emburrada, sentada no sofá. Rafa não tinha nem largado
a bolsa e os livros em cima da mesa e eu já estava aos berros:
- Eu pedi que você não contasse
nada a eles!
Rafaela ficou surpresa com o meu
surto. Dificilmente eu perdia a calma mesmo que isto significasse eu me corroer
por dentro.
- Ei, mal cheguei!
- Por que você contou a eles que
eu fui para a rua? Por que não me deu um tempo para ajeitar as coisas?
- Porque não estou com a menor
vontade de levar você nas costas!
Aquilo estava longe de ser uma
conversa civilizada. Todo o diálogo era feito em alto e bom som.
- Desde quando você me levou nas
costas? Por algum momento que fosse você achou que eu iria lhe pedir dinheiro
para pagar minhas contas?
- Mesmo que pedisse, não iria
adiantar. Sou tão dura quanto você é. Quer mais? Nossos pais têm que saber o
que está acontecendo nesta casa!
Comecei a ficar cada vez mais
enfurecida. Continuei sentada no sofá para manter alguma distância dela antes
que nos atracássemos de vez.
- E o que está acontecendo aqui?
Para mim tudo está tão normal quanto sempre foi.
- Ah, mas não está mesmo – e
Rafaela apontou o dedo para mim – Contei tudo para eles. Alguém tem que chamar
você para a responsabilidade.
- Nunca fui e nem nunca serei
irresponsável! Você está louca!
- Desde que você começou a
namorar este tal de Nando... Você está se dando conta do que está fazendo?
- Sim, eu estou amando este “tal
de Nando”. Assim como você também deve estar amando o ”tal do Guto”.
- A diferença é que eu não me
anulei namorando o Guto. Já você, por causa do seu namorado, não está indo à
faculdade, perdeu o estágio... Esqueci alguma coisa? Você deixou sua vida para
viver a dele.
- Talvez eu tenha feito isto
porque a vida que tenho levado não seja mais tão interessante.
Rafaela ficou surpresa com o que
eu disse. Imagino que a vizinhança também, devido ao som cada vez mais alto das
nossas vozes.
- Bem, se sua vida não está sendo
mais tão interessante, o que pretende fazer? Largar tudo?
- Quer saber? Tenho pensando
muito nisto.
- Pensado em quê? Em largar tudo?
– Rafaela nem disfarçava mais seu assombro com a minha revelação.
- Não gosto de cursar Design – confessei
furiosa – Não gosto dos meus colegas e nem dos meus professores. Até foi bom
ter saído do estágio. Quem sabe eu consigo outra coisa que me dê mais
satisfação?
Minha irmã ficou muda, sem saber
o que dizer. Eu prossegui, desafiando-a:
- Vá! Conte tudo aos nossos pais.
Conte que sua irmãzinha surtou!
- Conte você – ela sussurrou,
arriando-se em uma cadeira – Eles já estão chocados com as suas atitudes. Eu
não vou pôr mais lenha na fogueira.
Ficamos as duas em silêncio por
quase um minuto. Com a voz mais ponderada, Rafaela perguntou:
- E o que você vai fazer agora?
- Não sei – respondi de mau humor
– Vou acordar amanhã e pensar em alguma coisa.
- Você quer mesmo largar o curso?
Você estudou tanto para passar no vestibular... Até planejamos trabalhar
juntas.
Ela parecia genuinamente abalada
com as coisas que eu havia dito. Respondi chateada:
- Você não iria querer uma pessoa
rabugenta ao seu lado como colega.
- Ao menos você descobriu do que
gosta? Ou melhor, qual curso gostaria de fazer?
- Hotelaria. Acho que posso
gostar desta área.
- A nossa universidade não
oferece este curso. Somente as particulares.
- Eu sei – respondi desanimada.
- E como você pretende pagar esse
curso?
- Não sei.
- Bem, imagino que você vai
pensar sobre estas coisas amanhã cedo?
- Ou amanhã de tarde. Não tenho
mais compromisso para me levantar às seis horas da manhã.
Minha irmã se levantou,
demonstrando não estar mais a fim de continuar aquela conversa estressante.
Suspirou:
- Espero que você não se acostume
na boa vida.
- Em absoluto – neguei
veementemente – Ainda mais que eles disseram que vão vir para cá em quinze dias
caso eu não tenha dado um jeito na minha vida. Você já sabia disso?
- Claro, eles me contaram.
- Simplesmente isto não tem
cabimento. Eu tenho 22 anos, não preciso que meus pais venham me fiscalizar.
- 22 anos, mas com comportamento
de 15.
Ela
disse aquilo e se enfiou no banheiro para tomar uma ducha. Emburrada e de
beiço, voltei para meu quarto e dormi logo que pus a cabeça no travesseiro.
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