Ficamos no quarto com papai até a
noite. Mamãe foi em casa tomar um banho e voltou em seguida. A impressão que eu
tinha é que a cidade inteira estava indo visitar meu pai. Combinamos de passar
o final de semana na nossa cidade e Guto voltou na sexta-feira pela manhã.
Nossa mãe gostou que ficássemos por lá. Durante aquele fim de semana, auxiliaríamos
mamãe nos cuidados com ele, em casa, assim que fosse liberado do hospital.
Também na sexta-feira eu não
liguei o celular. Fiquei imaginando o que Nando poderia estar pensando. Estaria
preocupado achando que eu morri? Ou que eu estaria fugindo dele... Ele também
poderia estar procurando consolo nos braços de Raquel, já que a nova namorada
estava ausente, em lugar incerto e não sabido. Felizmente, quando meu pai
voltou para casa, ele se tornou o centro das atenções e mamãe e Rafa não
perguntaram nada sobre meu namoro. E eu fiquei doente. Passei com enxaqueca e
enjoada, atirada no sofá. Não as ajudei nos cuidados com papai. Não comi, não
bebi, sentia-me fraca. Papai se recusou a ficar na cama, ficando ao meu lado,
na sala. As visitas iam e vinham e me encontravam pálida, inerte. Todos
pensavam que eu estava abalada pelo acidente. Deixei o celular dentro do
guarda-roupa, bem distante de mim. Para não fugir do habitual, menti que o
tinha perdido quando lá pelas tantas a Rafa perguntou se o Nando havia ligado.
Então meu pai resolveu comentar:
− Achei que hoje eu conheceria
este seu namorado secreto.
Fiquei mais pálida do que já
estava. Respondi tensa:
− Ele está viajando, pai. E o
Nando é uma pessoa muito ocupada.
Meu pai me olhou como se não
acreditasse naquela minha desculpa esfarrapada.
− Quer dizer que se eu tivesse
morrido, ele não teria vindo ao meu enterro por estar a serviço?
− Pai, por favor… - pedi,
revirando os olhos irritada – Não comece a me provocar.
Aparecendo da cozinha com um
prato de sopa, mamãe disse:
− Também pensei que conheceria
meu genro misterioso.
− Ele não tem nada, absolutamente
nada de misterioso. É um cara comum. O que é isto? – perguntei quando minha mãe
colocou o prato de sopa na minha frente.
− Coma. Você está muito magra e
não pode ficar doente agora que arranjou um emprego novo.
Sorvi algumas colheradas daquela
sopa deliciosa, ainda escutando comentários sobre meu namoro.
− Da próxima vez que você vier
aqui traga seu namorado, Paulinha. Ou ele é tão bem sucedido que não quer
conhecer sua família pobre?
− Ele já manifestou vontade de
vir conhecer vocês – respondi emburrada – Só que o momento ainda não aconteceu.
− Você não está escondendo suas
origens, não é mesmo, minha filha? – perguntou mamãe, subitamente desconfiada
de alguma coisa.
Lutei para não ficar vermelha.
Fiquei soprando a sopa, embora ela não estivesse mais quente. Meu Deus, o cerco
se fechava. Quando não era Nando, eram meus pais.
− Não, claro que não. Vou
esconder o quê?
− Que não pertencemos ao mesmo
nível social dele.
Não a encarando diretamente,
disse:
− Ele sabe disso. Mas acho que
não se importa.
− Já conhece os pais dele?
Meu pai fez a pergunta e ela soou
ácida nos meus ouvidos. Socorro.
− Não
− Por quê?
− Porque não. Porque eu não quero
– e dizendo isto, devolvi o prato para minha mãe, aborrecida e nervosa – Vocês
fazem perguntas demais. Meu namoro está apenas no início. Boa noite. Eu vou
dormir.
Levantei-me do sofá, respirando
fundo para não estontear. Fui para o quarto e me joguei na minha antiga cama.
Dormi imediatamente, um sono recheado de pesadelos com o Nando.
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