A viagem foi tranquila, em
silêncio. Diversas vezes Rafaela tentou se comunicar com mamãe, porém não teve
sucesso. Meu coração batia tão forte que parecia que minha irmã e meu cunhado
poderiam escutá-lo. A incerteza e o fato de não haver notícias era algo
pavoroso. Os piores pensamentos vinham a minha mente. Eu tinha plena certeza de
que chegaríamos em casa – ou no hospital – e a notícia seria de que meu pai estava
morto. E para completar a desgraça eu não avisara o Nando de nada. Não podia
correr o risco de ele querer vir junto. Meu celular se mantinha
estrategicamente desligado.
Guto fez o trajeto em tempo
recorde. Porém, à medida que nós nos aproximávamos da cidade, mais meu coração
saltava. Não era preciso dizer que minha náusea estava cada vez mais forte.
Rafaela, ao lado de Guto, também estava branca. Durante toda a viagem ela
praticamente não falou nada. E somente um fato muito extraordinário para manter
minha irmã calada.
Ficamos na dúvida se deveríamos
ir direto para nossa antiga casa ou para o hospital. Eu não queria ir para
lugar nenhum. Rafaela achou melhor deixarmos nossas coisas em casa e ver se
algum vizinho poderia nos informar alguma coisa. Talvez papai nem mesmo
estivesse na cidade. Dependendo da gravidade do caso, ele poderia estar já em
outro hospital mais aparelhado.
Entramos na nossa casa vazia. A
mesa do café ainda estava posta. Manteiga, geleia, o pão... Acho que minha mãe
tinha largado tudo para socorrer meu pai e não tinha voltado mais para casa
desde então. Só de olhar para aquele cenário me doía o coração. E a falta que
eu sentia do Nando era cada vez mais forte.
Sombriamente Rafa largou sua
mochila no sofá e murmurou:
− Isto aqui parece uma casa
fantasma.
Torcendo as mãos de puro
nervosismo, eu perguntei cada vez mais sem chão:
− E agora? O que a gente faz?
− Que tal se procurarmos algum
vizinho? – perguntou Guto, o único ser calmo presente naquela casa – Não era
esta nossa ideia inicial?
− Eu não tenho coragem – assumi
desabando no sofá – Tenho medo de saber a verdade.
Rafaela estava abrindo a boca
para falar alguma coisa quando a campainha tocou. Eu dei um pulo e minha irmã
me olhou pálida. Prevendo que nós duas ficaríamos imóveis, Guto tomou a
iniciativa de abrir a porta. Era a dona Amélia.
Eu nem me mexi. Esperava o pior
totalmente paralisada. Rafa, tentando ser mais corajosa do que eu, aproximou-se
da mulher perguntando:
− E então, dona Amélia? Onde está
meu pai? Ele… ele…
Para nosso imenso alívio, dona
Amélia abriu um sorriso tranquilizador. Meu ar foi escapando devagarzinho,
enquanto ela respondia calmamente:
− Está tudo certo, meninas. O pai
de vocês está bem. Quebrou três costelas e está voltando para casa amanhã. Pelo
visto está melhor que vocês.
Eu e Rafa nos entreolhamos
aliviadas e felizes agora. O pavor havia passado. Guto, para descontrair o
ambiente, propôs:
− Bem, eu sugiro que a gente vá
visitá-lo e depois comer alguma coisa. Agora está tudo no seu lugar.
Meu enjoo foi embora dando lugar
a uma imensa fome. Lembrei que poderia ligar para Nando e contar tudo, mas o
medo que ele resolvesse vir nos visitar persistia. Fomos direto para o hospital
e conseguimos falar com papai. Por causa da pressão alta, ele passaria mais um
dia internado. Rafaela se ofereceu para ficar à noite com ele, mas minha mãe
recusou. Não arredaria pé dali de jeito nenhum. Resolvemos almoçar no
restaurante do hospital mesmo. Porém, apesar da fome, eu não consegui comer
muita coisa. Minha preocupação agora se chamava Nando. Então, lendo meus
pensamentos enquanto eu remexia no meu prato, Rafa perguntou:
− Você avisou seu namorado?
Levei um choque com aquela
pergunta, como se todas minhas mentiras estivessem sendo desvendadas naquele
momento. Meio gaguejando respondi:
− Não, eu… eu… ele está viajando.
− E qual o problema? – ela insistiu
de boca cheia.
− Ora, Rafa! Não vou incomodar o
cara com isto.
− Não vejo incômodo nenhum. Vocês
são namorados. Tem que dividir as coisas, assim como eu e o Guto.
Não respondi, chateada com o rumo
que a conversa estava tomando. Eu queria muito dividir as coisas com o Nando.
Mas não podia. De repente minha fome se perdeu. Empurrei o prato para o lado e
desisti de almoçar.
− O que foi, Paulinha? – Guto me
olhou estranhamente – Enjoou de novo?
− Estou meio nervosa ainda –
menti.
Rafa pegou a comida do meu prato
e despejou no dela, dizendo bem humorada:
− Odeio desperdício.
O resto do almoço eu permaneci
muda, observando minha irmã e Guto conversarem, animadamente. Eu não tinha
sequer coragem de ligar meu celular com medo de encontrar uma mensagem do
Nando. Sentia-me completamente sem saída. Pelo menos meu pai estava bem. O
resto estava mal, muito mal.
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