sábado, 27 de outubro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 57)


Desci os degraus, mal equilibrada nos saltos altos das minhas sandálias chiques e desconfortáveis. Alguém que não me conhecesse poderia afirmar que era pura elegância. O fato é que eu sempre detestei salto alto e eu não sabia andar direito. Porém, de alguma forma, eu consegui enganar o Nando. Quando ele me viu, veio apressado me receber, muito gentil e educado. Trocamos um rápido beijo e depois meu amor me elogiou, ajudando-me a entrar:
− Você está linda.
− Preferia que você dissesse que estou praticamente irreconhecível.

Seria bem melhor escutar isto. Nando deu a partida no carro e eu comecei a prestar contas.
− Com a grana que você me emprestou, comprei o vestido, as sandálias e ainda sobrou para dar uma chegadinha no salão. No final do mês, quando eu…
− Espere. – ele me interrompeu – Não estou cobrando.
− Mas eu me sinto melhor dizendo a você onde eu empreguei o seu dinheiro.
− Você tem muito bom gosto.
Cada elogio dele me enchia de orgulho, apesar do tumulto que havia dentro de mim. Cautelosamente retruquei:
− Não posso bancar a esquisita na frente dos seus amigos.
− Eles não dão bola para isso.
− Seus amigos têm namoradas. E elas podem ser cruéis. Ah, e você tem amigas que até onde eu sei são amigas também da sua ex.
− Esqueça.
− Já esqueci.

Nossa ida até o Caribbean foi tranquila. Nando estava de ótimo humor. E eu explodindo de ansiedade e terror. Eu agradecia a todos os santos pelos pais dele não terem chegado ainda e assim não estarem presentes para nos recepcionar na chegada. Meu medo me consumia. Minhas mãos estavam geladas.
Nando deixou o carro com o manobrista e segurou minha mão. Ele me encarou surpreso e comentou:
− Você está com as mãos frias.
− Estou nervosa – admiti.
           
A palavra correta era pânico. Senti meus joelhos tremerem a cada passo que eu dava no interior do Caribbean. Antes de encontrarmos com o aniversariante, Nando foi parado diversas vezes. Os amigos que ainda não me conheciam olhavam-me com alguma curiosidade. Aconteça o que acontecer, pensei eu, pelo menos estou no mesmo nível que as mulheres daqui.
           
Um rapaz apareceu ao nosso lado e eu identifiquei-o como meu primo mais novo, o Maurinho. Com este não haveria problema. Provavelmente nem sabia da existência do tio ladrão e da sua família fujona. Cumprimentou-me alegremente e apresentou sua namorada, uma garota maluca chamada Carol. Com um copo na mão, ela parecia pronta para começar a se divertir, sem pensar nas consequências. Então de repente fiquei frente a frente com o Ricardo. Nando o abraçou fortemente e em seguida fez as apresentações:
− Mano, esta é a Pauline. Pauline, este é o Ricardo.
Por dois longos segundos os olhos dele ficaram cravados nos meus, como se buscasse na memória quem era aquele rosto conhecido. Gelei. Contudo, antes que Ricardo tivesse um estalo e se flagrasse que éramos parentes, eu me adiantei e dei-lhe dois beijos no rosto, parabenizando-o.
− Não conheço você de algum lugar? – perguntou ele.
− Não – respondi imediatamente, com a voz mais aguda, de puro terror – Eu acho que nunca vi você.

Nando não esteve atento à troca de diálogos, pois outra pessoa já o tinha puxado para uma conversa. A mulher do meu primo estava ali e eu a cumprimentei também. Então Carol parou ao meu lado, com o copo na mão.
− Você gosta de dançar? – berrou ela por causa da música alta.
− Adoro! – menti. Eu precisava sair correndo dali.
− Então vamos lá!

Carol me puxou pelo braço e me arrastou para a pista. Ela estava “alta” e eu pretendia ficar igual. Bêbada, eu teria mais coragem de agir, ao invés de ficar paralisada pelo terror. Eu o-dei-o música eletrônica, mas eu não tinha opções. Caí na pista, tirei a sandália e eu e Carol começamos a dançar animadamente. Um garçom apareceu e Carol pegou uma bebida para mim e mais outra para ela. Maurinho dançou algumas músicas conosco. Nando apareceu depois um pouco preocupado. Nunca tinha me visto beber e em meio à música alta, perguntou:
− Você não quer comer nada?
− O quê?
− Não está com fome?
− Não!
Aproximando-se de nós, Carol convidou:
− Ei, Nando! Venha dançar com a gente.
Ele balançou a cabeça negativamente.
− Dançar está música de loucos? – e dirigindo-se a mim recomendou-me no ouvido – Não vá beber demais. Esta garota é doida. Não vá atrás dela.
Nos beijamos rapidamente e Nando foi ficar junto da sua turma que nada tinha a ver comigo. Legal mesmo era Carol. Ela bebia sem parar e não dava mostras de estar entrando em coma alcoólica.
Uma hora depois, chacoalhando sem parar, Carol perguntou aos berros:
− Você gosta de pagode?
− Não escutei!
− Pa-go-de! Você curte?
− Adoro!

Mentira.
− Vamos para o terceiro piso! Lá rola direto!
Era tudo o que eu precisava. Não demoraria muito e os pais do Nando iriam chegar e eu precisava estar longe, perto de alguma rota de fuga. Novamente Carol me arrastou escadas acima e eu nem me dei ao trabalho de avisar o Nando. Peguei um petisco no bar e caímos no pagode.
Felizmente Carol era uma professora e tanto. Ela me ensinou alguns passos e eu aprendi rapidinho. Não fosse a tensão que me destruía, eu estaria me divertindo horrores.
De repente Carol parou de dançar e começou a procurar freneticamente o celular dentro da bolsa. Olhando no visor uma mensagem recebida, ela me disse com a expressão séria:
− É o Maurinho. Os pais dele chegaram e ele está nos chamando.
Meus joelhos faltaram.
− Você já os conhece? – ela me perguntou.
− Não.
− Prepare-se. São uns chatos. Vamos.
Desta vez ela não me pegou pelo braço. Carol tomou a dianteira e fomos atravessando aquele mar de gente. Ninguém podia adivinhar que eu estava passando muito mal. No segundo andar, reparei que havia uma porta de saída.

Foi por ali que fugi.


FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 56)


Só fomos nos falar novamente no domingo à noite porque eu resolvi ligar. Óbvio que ele estava emburrado e não adiantou eu repetir que sim, eu iria à festa do irmão, praticamente aceitando isto como uma sentença de morte para nosso relacionamento. Quando Nando fez novamente a oferta de pagar a minha roupa e eu recusei, ele gritou comigo. E antes que eu começasse a chorar, resolvi deixar o orgulho de lado e combinei de passar no banco no dia seguinte para pegar o meu “empréstimo”. Minha irmã chegou ao final da discussão, mas sequer olhou para minha cara. Mal me cumprimentou e entrou direto no quarto. E lá estava eu, sozinha novamente.

Ao contrário das últimas semanas, a que antecedeu ao aniversário do meu cunhado e primo foi tudo de ruim. O Nando passou aqueles dias como que desconfiando de mim. Com o dinheiro que ele me emprestou comprei um vestido e uma sandália e ainda sobrou para que eu fosse ao salão no sábado me maquiar e ajeitar o cabelo.

Nenhum dia daquela semana eu fui para o apartamento do Nando, restando somente suportar a cara feia da Rafa e vice-versa. Com certeza ela percebeu que a coisa estava danada para o meu lado, mesmo eu falando com meu namorado via celular todas as noites. Se não fosse meu trabalho na agência, eu teria entrado em surto. Não sentia mais fome e comia só para não perder o hábito. Perdi dois quilos em cinco dias e, para completar o quadro do horror, 24 horas antes do evento Rafa me olhou e declarou, dirigindo-se a mim pela primeira vez na semana:
− Você parece uma Mortícia de cabelos vermelhos.

Não me olhei mais no espelho naquele dia. Sábado pela tarde eu voei até o salão, onde eu implorei, por favor, que me deixassem bem diferente do que eu era. Me maquiaram, deram um jeito no meu cabelo, conseguiram espantar minha aparência cadavérica. E quando Rafa me viu toda fina e elegante, logo mais à noite, esperando nervosamente o Nando, perguntou:
− De quem é a festa?
− Do irmão mais velho do Nando – suspirei.
Rafaela empalideceu.
− Mas vão estar todos lá! Onde será? Na casa dos tios?
− Não – respondi cada vez mais arrasada – No Caribbean.
− Uau! Bem, lá é mais fácil de se esconder.
− Não tenho como escapar de ser apresentada aos meus cunhados...
− Primos.
− Meus cunhados. Os pais do Nando...
− Nossos tios.
− Os pais do Nando estão em um casamento agora e só vão pintar no Caribbean mais tarde. Dizem que o lugar é enorme. E assim que eu souber que eles chegaram, eu sumo.
− Então este é o plano? E você tem plena confiança de que dará certo?
− É a única alternativa que eu tenho. Será que os dois irmãos do Nando podem me reconhecer?
− Os nossos primos? Não, duvido muito. O mais novo nem deve saber que você existe. E o mais velho nem lembra que tem primas. E você mudou muito. Mas não se empolgue. Você não passará pelo olho clínico dos nossos tios.
Meu celular tocou. Era o Nando. Controlei o princípio de pânico. Rafa disse irônica:
− Desejo toda a sorte do mundo para você. E mesmo assim não será o bastante.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 55)


Estávamos no shopping sábado à tarde. Nando precisava comprar um livro jurídico e eu fui junto, claro. A livraria era imensa. Enquanto ele procurava o que queria, eu fui para o outro lado tentando achar algo do meu interesse.

Eu nunca perdia meu namorado de vista. Onde quer que eu estivesse, o Nando tinha que estar no meu campo de visão. Era uma forma de me manter tranquila. Meu maior temor era que Raquel aparecesse de repente e levasse meu namorado de mim.

Ele não se deu conta que eu não perdia seus movimentos, por mínimos que fossem. O gesto de arrumar o cabelo, folhear um livro, pegar a carteira... Nada me passava despercebido.

Muito menos atender ao celular.

Alguém tinha ligado para o Nando. Entre as estantes fiquei monitorando tudo. Será que era mulher? Pelo jeito não. Ele deu algumas risadas, falou por cinco minutos, consultou o relógio e desligou. Eu disfarcei, esperei passar um tempo e fui até ele. Nando já me esperava com a compra feita.

Saímos da livraria e eu fiquei esperando que ele me dissesse quem havia ligado. Nada. Talvez não fosse importante que eu soubesse e até acabei esquecendo o fato.

Depois do shopping, a próxima parada era o supermercado. Tudo corria normalmente, até que me dei conta que o Nando estava fazendo outro trajeto.
− Você desistiu de ir ao supermercado?
− Não – respondeu ele muito calmo e provavelmente me testando – O Ricardo está de aniversário sábado que vem e ele me ligou para que eu fosse até a sua casa buscar o convite.
Fiquei muda de terror. A tontura passou em quinze segundos. Perguntei.
− Nós… você vai subir até o apartamento dele?
− Não, ele quem irá descer.
Meu Deus. Serei reconhecida e apedrejada. Amaldiçoei-me por não estar de óculos escuros, cabelos presos, maquiada. De máscara. Respirei fundo tentando me acalmar. Não, nada disto iria acontecer. Meus temores eram todos infundados. Se Nando não sabia até então quem era eu, muito menos o irmão se flagraria também.

A tudo o que o Nando falava, eu respondia aos monossílabos. Tentei rir quando minha vontade era de chorar. Ao nos aproximarmos do prédio, Nando constatou que teria que estacionar do outro lado da rua, pois não tinha vaga em frente ao prédio do meu primo. De repente, Ricardo saiu do edifício carregando alguma coisa na mão. Ele estava igual, só tinha crescido. A cara de debochado continuava a mesma. Engoli em seco, atarantada.

Desligando o motor, Nando convidou:
− Vamos descer? Seu cunhado quer lhe conhecer.
− Não, obrigada – o medo fez com que minha voz saísse seca.
− Já vai começar, Pauline? – Nando mostrou irritação na voz.
− Ele não vai ir com a minha cara e eu fico constrangida com estas apresentações.
Nando balançou a cabeça como se eu fosse um caso perdido. Porém, não insistiu. Abriu a porta e saiu do carro, enquanto eu imaginava qual seria o próximo capítulo da minha novela de terror.

Menos de dez minutos depois o Nando voltou segurando o convite. Reparei que ele estava emburrado, mas fazendo força para se controlar.
− Apesar de você insistir em bancar o bicho do mato, meu irmão fez questão de convidar você para a festa. E faz questão de que você vá também.
Era como se a decisão já houvesse sido tomada. Eu teria que ir à festa e ponto final. Tentei ganhar tempo.
− Eu… no próximo sábado você disse? Onde vai ser?
− No Caribbean. Vão fechar a casa só para a festa do Ricardo.

Meu romance começou a fazer água, pensei. Caribbean era a casa noturna mais badalada do momento. Quem frequentava eram pessoas da alta sociedade. O Nando, por exemplo. Aquele não era um lugar onde eu pudesse frequentar e sentir-me à vontade. Mas isso não era nada. A pior parte é que a família inteira do Nando estaria lá e nós simplesmente não podíamos coabitar o mesmo teto e o mesmo espaço ao mesmo tempo.
Nando estava ligando o motor quando eu criei coragem e disse:
− Nando, eu não posso ir.
Ele me fuzilou com os olhos, furioso.
− Por quê?
A voz dele era fria como gelo e eu gelei também. Meio encolhida respondi:
− Esta casa noturna… as pessoas que vão lá… Puxa, elas não tem nada a ver comigo. Nada mesmo.
− Eu não tenho nada a ver com você? – cortou ele, aumentando o tom de voz.
− Acho que você não entendeu…
− Não, eu não entendo mesmo. Seu comportamento é algo que me confunde. Qualquer coisa que envolva a minha família ou a sua, faz com que você dispare.
Fiquei pálida enquanto Nando prosseguia implacável com a sua análise.
− O que você esconde de mim? Do que tem tanto medo?
− Nando, do que você está falando? – tentei reagir, mas sem convicção alguma – Eu só falei que não tenho condições de ir a uma festa dessas! Está além das minhas possibilidades!
− Seu problema é grana?

Aquela pergunta me pegou de surpresa. Meu plano era dizer que não tinha dinheiro para comprar uma roupa legal para ir à festa. Era uma desculpa fraquinha, mas era a única que me veio naquele momento de terror.
− Como?
− Você não tem dinheiro para comprar uma roupa para ir ao aniversário do Ricardo?

Bem, ele tinha dinheiro. Muito mais do que eu pensava.
− Nando, eu não quero o seu dinheiro.
− Tudo bem, então aceite como um empréstimo.
− Eu não quero! – quase gritei histérica.
− Você quer o quê, então? – berrou ele de volta – Quer que eu abra a porta do carro para você voltar a pé para sua casa?
Ao dizer isto, o Nando escancarou a porta do carona e eu achei que seria posta para fora. Quase chorando fechei-a de novo.
− Você me magoa falando assim!
− E eu não tenho o direito de ficar magoado quando você se recusa a participar da minha vida? Ou me fecha as portas para a sua?
− Está bem, eu vou! – funguei secando as lágrimas. Depois eu daria um jeito de me escapar.
Ele arrancou com o carro sem abrir a boca. Já nem sabia mais para onde ele estava me levando – para minha casa ou para o supermercado. Acabamos indo fazer compras, mas o mal já estava feito. Nando quase nem abria a boca para falar comigo e eu passei o tempo todo com cara de choro. Por fim, pedi para que ele me deixasse em casa e, para meu desespero, meu namorado não pôs qualquer objeção quanto a isto.


quarta-feira, 17 de outubro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 54)


A voz aveludada do Nando trouxe de volta a minha vida a dois com ele. Se fôssemos somente nós, se não tivéssemos família, seríamos felizes para sempre.
− Não estou pensando em nada a não ser no dia escabroso que tive hoje – dei um suspiro tentando desviar o assunto – Achei que passaria alguns dias internada até me recuperar.
− Também achei – confessou ele – Você estava horrível quando cheguei.
− Melhorei depois que olhei para você.
− Você está querendo dizer que não sou tão feio assim?
− Estou afirmando que você é o cara mais lindo do mundo.

Ficamos jogando conversa fora até chegarmos a casa dele. Fui tomar banho enquanto Nando preparava algo para comer. Quando saí, enrolada em uma toalha, encontrei um pote de sorvete em cima da mesa. Eu sempre adorei sorvete.
− Comprei só para você – disse ele sorrindo.

Cheguei a sentir um apertinho na garganta e uma pontada de culpa me cutucando o coração. Sorri para disfarçar ao mesmo tempo em que ele me servia de uma quantidade generosa. Sentamos bem juntinhos no tapete peludo da sala e ele recomendou:
− Coma tudo – recomendou Nando – Acho que você emagreceu.
Sim, eu tinha emagrecido. Ser apaixonada por ele era a mesma coisa que seguir uma dieta poderosa.
− Depois de hoje o que você poderia esperar?
− Antes de hoje. Você já vinha perdendo peso.
Fiquei muda esperando que o assunto se desviasse. Não deu certo.
− Por que você não me conta?
Evitei olhar para ele. Continuei comendo, já sentindo as lágrimas inundarem meus olhos.
− Não há nada para contar.
− Conte-me o que está fazendo você chorar.
Ele me puxou para mais junto do seu corpo. Pisquei para afastar as lágrimas malditas e as desgraçadas acabaram escorrendo pelo meu rosto.
− Briguei com a Rafa – eu disse lambendo a colher do sorvete, fazendo força para que minha voz se mantivesse firme. Não tive sucesso.
− Por minha causa?
Aquela pergunta foi outro choque que me fez doer o estômago novamente. Respondi rápida:
− Não.
Foi o “não” mais falso que proferi na vida.
− A discussão foi grave?
− Não.
− Então por que você ficou tão abalada a ponto de chorar? Ou de ir parar em um hospital?
− Não me abalei – funguei.
− Pauline, você pensa que eu sou burro?
Olhei para ele com os olhos arregalados. Meu Deus! Ele já sabia de tudo!
− Seus olhos… Eu posso ler tudo o que se passa com você através dos seus olhos.
Tentei fazer uma piadinha, mas as lágrimas não me respeitavam mais. Murmurei:
− Não sei se gosto disto.
− Você está sofrendo. E está escondendo alguma coisa de mim.
− Não estou escondendo nada. E muito menos sofrendo – e em seguidacomecei a chorar.

Talvez aquele fosse o momento de contar tudo para o Nando. As horas seguintes em que passamos abraçados com ele me consolando ternamente do pavor que me afligia, teriam sido ideais para que eu confessasse e conseguisse algum perdão. Mas eu fui fraca. Não tive coragem de ir em direção à verdade e mergulhei cada vez mais fundo na farsa que era nosso relacionamento. Eu sentia os braços dele ao meu redor, tão protetores, tão quentes, tão amados. Nunca – nem que vivesse mil anos – eu encontraria um homem igual ao Nando. Ele era o homem da minha vida e eu não sabia se ele tinha noção disso. Ou se suspeitava da dimensão do meu amor. Até quando Fernando seria meu?

Até quando?


Acordei no dia seguinte com os raios de sol entrando pela janela do quarto. Dei de cara com o Nando sentado na beira da cama olhando-me atentamente. Fiquei sem jeito. Tive a impressão que ele estava me analisando, tentando descobrir coisas sobre mim.
− Ei! – murmurei – Não foi trabalhar ainda?
− Não, enquanto não tiver certeza que você está bem.
− Acho que estou bem – respondi esperando que fosse verdade - Tenho que dar um jeito de aparecer na agência antes que me ponham para a rua sem sequer estar contratada.
− Fiz suco de melancia. Você quer?
− Claro que sim.
Eu fui lavar meu rosto para tentar apagar a minha cara de doente. Não deu muito certo. Mas quando voltei para o quarto, o Nando já tinha levado o suco em uma bandeja, juntamente com torradinhas. Achei o máximo.
− Nando – declarei eu enchendo a boca de torrada – Acho que me garanto sozinha. Você pode me deixar em casa e...
Ele começou a balançar a cabeça
− Já avisei que só vou aparecer no banco à tarde. Isto é, caso você esteja bem.

Parecia haver um rombo no meu estômago, já que na noite anterior eu passei mais tempo chorando que comendo sorvete. Esperava sinceramente que ele não mencionasse nada que me fizesse ir às lágrimas em segundos. Ele arrematou:
− Temos bastante tempo só para nós dois.
Cheguei a me arrepiar. Era muito fácil ser feliz com o Nando. Gostaria que o mundo não existisse. Inclinei-me e beijei-o nos lábios. Sussurrei:
- Você é o melhor namorado do mundo.

Enfim, ficamos a manhã toda sem fazer absolutamente nada. Assistimos a um DVD, conversamos, lemos jornal. Ao meio dia saímos para comer alguma coisa bem leve e em seguida ele me deixou na agência. O resto da semana transcorreu normalmente. Não falei mais com a Rafa. Minha irmã não me ligou e nem pensei em telefonar para ela. O único dia da semana em que dormi em casa foi quando o Nando saiu com os amigos para jogar conversa fora. Fui finalmente efetivada na agência e meu pai já estava quase cem por cento recuperado, tendo voltado a trabalhar no armazém meio turno. Tudo corria às mil maravilhas na minha vida e no meu relacionamento construído sobre falsos alicerces. Eu já conseguia me sentir mulher do Nando quando esquecia que nós éramos parentes. Era um sonho, eu afirmava para mim mesma, sempre que me via ao lado dele, fazendo amor ou simplesmente olhando para seu rosto. Um sonho que estava muito perto de se tornar um pesadelo.


FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 53)


Deram-me alta perto das vinte horas. Estava melhor, sem tonturas pelo menos. Apenas fraca e com fome. Como esperava, o Nando perguntou se eu queria ir para o apartamento dele e aceitei no ato. Porém, antes eu precisava passar em minha casa e pegar uma roupa decente. Ainda pretendia trabalhar no dia seguinte, nem que estivesse morrendo. Além de tudo isso, havia minha irmã. Queria urgente ver a Rafa e confirmar se havia algo mais a ser revelado. Eu esperava ardentemente que não.

Combinei de ligar para o Nando logo que estivesse pronta. Enquanto meu namorado passava na casa de um colega para buscar um documento, eu me enchi de coragem para enfrentar Rafaela. Eu tinha quase certeza de que ela estava em casa.

E estava mesmo. Ela via televisão e mal me olhou quando abri a porta. A indiferença dela me abalou. Isso queria dizer que nossa briga não havia sido superada.
− Oi – cumprimentei sem ter nada melhor para dizer.
− Como você está? – perguntou ela sem me encarar.
− Meio fraca ainda.

Silêncio. Dei um tempo e o silêncio continuou. Fui até o quarto pegar a roupa e quando voltei para a sala carregando a mochila, Rafa perguntou arqueando uma sobrancelha:
− Você vai para o apartamento dele?
− Vou.
Ela fez uma pausa e voltou à carga:
− Ele deve amar mesmo você. Muito.
Gostei demais de ouvir aquilo.
− Por quê?
− Porque ele ficou louco quando eu disse que tinha encontrado você no banheiro desacordada. Percebi que nosso primo ficou alterado quando soube da notícia. E depois o Guto contou que ele simplesmente o despachou quando chegou ao hospital somente para ficar sozinho com você.
− Ele não é meu primo – cortei – É meu namorado.
Cansadamente Rafaela perguntou:
− Até quando vai levar isto?
− Até onde existir amor.
− Você não tem ideia, Paulinha, da confusão em que você está se metendo.
Comecei a me irritar.
− Me deixa, Rafaela. A vida é minha.
− Não neste caso. Seu relacionamento com nosso primo irão trazer consequências trágicas para nossa família e para a dele também.
− Eu não tenho nada a ver com rixas do passado. Eu vivo o presente e o meu futuro é com o Nando.
− Paulinha, o passado ainda não acabou. Não para nós.
− Pois bem, eu não quero saber se o tio roubou meu pai. Posso lidar com isso e, se for o caso, colocar uma pedra por cima de toda essa história.
− Nosso tio não roubou ninguém.

Aquela revelação veio bruscamente. Encarei Rafaela aturdida:
− O que você disse?
− Foi o contrário. Nosso pai tentou passar a perna no pai do Nando. Só que deu tudo errado. Para não ser preso, papai resolveu sumir e nos levou junto.
Foi como um soco no estômago. Percebi que estava branca como cera.
− Por muito pouco nosso pai não os deixou na miséria. Nosso tio ameaçou nossa família, Paulinha. Ameaçou acabar conosco. Você acha que papai queria que viéssemos estudar aqui? Ele morre de medo que a gente tope com algum deles! Por que você acha que nossa mãe entrou em depressão quando fugimos daqui? De desgosto pelo mau caratismo do papai!

Eu não queria acreditar em nada daquilo. Era chocante demais. Desde os meus seis anos eu acreditava piamente que o responsável pela nossa derrocada tinha sido meu tio. Mas não. O grande vilão era – e sempre tinha sido – o meu próprio pai.
− E o que acontece quando você vem para cá? Sai correndo atrás do seu primo. E não contente de ser apenas uma transa, você ainda pensa em casar. O que você acha que vai se passar quando o Nando descobrir sua verdadeira identidade? Você pensa que o amor de vocês sobreviverá a isso? Seguramente seu namorado vai odiá-la por ser filha do homem que quase levou a mãe dele ao suicídio e por você tê-lo trapaceado por tanto tempo.

Se Rafaela esperava que eu contra argumentasse enganou-se redondamente. Eu não tinha voz para falar uma sílaba que fosse. Meu mundo tinha caído e se eu ficasse um dia sem o Nando não sobraria pedra sobre pedra.
Meu celular tocou. Era ele. Atendi trêmula.
− Oi, amor.
Ele estranhou minha voz.
− Tudo bem?
− Tudo.
− Estou aqui embaixo.
− Vou descer já.
Saí correndo do apartamento, a verdade sobre minha família explodindo no meu cérebro. E antes que eu fechasse a porta, escutei a última praga lançada pela minha irmã.
− Não pense que eu vou ficar ao seu lado quando o castelo desmoronar.

Desci os degraus me amparando no corrimão. A discussão e o segredo revelado me abalaram tanto que quando entrei no carro minhas pernas estavam fracas, quase faltando. Nando, reparando nos meus lábios brancos, indagou preocupado:
− Você está se sentindo mal de novo?
Balancei a cabeça, fazendo que não. Respondi com dificuldade:
− Acho que é fome.

Meu amor arrancou com o carro. Era uma meia mentira. Eu sentia fome, sim. E isto era ótimo, fisicamente eu estava melhorando. Entretanto, eu não estava conseguindo assimilar as coisas horríveis que eu soubera sobre meu pai. Ele tinha tentado destruir a vida do meu tio e, por consequência, a do Nando também. Isso era simplesmente pavoroso. Eu gostaria que Rafa estivesse mentindo, mas agora muitas peças soltas começavam a se encaixar. Frases soltas no ar, gestos, atitudes, conversas em código. Era tudo verdade. Gostaria que meu pai estivesse arrependido de tudo o que causara. E será que meu tio estaria disposto a perdoar?
− Quantos reais você quer pelos seus pensamentos?


sábado, 13 de outubro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 52)


Creio que Rafa imaginou que eu estivesse à beira da morte. Tentei dizer que eu apenas precisava do Nando, mas era esforço demais. Sem perder tempo, ela molhou uma toalha e começou a passar no meu rosto trazendo-me certo alívio. Assustada ela levantou minha cabeça, tocando com os dedos todo o meu couro cabeludo.
− Você se feriu quando desmaiou? Sua cabeça está doendo? – ela perguntou em pânico.
− Eu não caí – consegui dizer – Só me deitei… no chão porque… porque é difícil demais… voltar para minha cama.
− Mas o que diabos você comeu? – berrou ela – Você simplesmente murchou!
Guto finalmente chegou e Rafa correu para abrir a porta. O zelador veio junto, achando que alguém estivesse prestes a morrer. Juntos, o homem e o meu cunhado me puseram em pé. Entretanto, eu estava tão leve que até mesmo Rafa podia comigo.
− O que aconteceu, afinal? – perguntou Guto, segurando-me de um lado e o zelador do outro.
− Ela comeu um troço estragado, só pode ser isto! Eu tive um pressentimento… larguei tudo e vim para cá. Encontrei a Paulinha estirada no piso, parecia morta. Guto, ela está ficando verde!
Verde e estonteada, era assim que eu me sentia. A última das mulheres, a mais desgraçada. Rafa apareceu com um saco para que eu vomitasse dentro se fosse o caso. Mas eu já tinha vomitado tudo que podia. Eu me sentia uma boneca de pano sendo carregada. Fui colocada meio sem jeito no banco do carona. Minha irmã passou o cinto de segurança em mim e Guto se tocou para o hospital mais próximo, fazendo curvas e acelerando como se eu estivesse parindo gêmeos. Quando paramos em frente ao setor de emergência, puseram-me imediatamente em uma maca e me aplicaram soro. Guto ficou comigo, enquanto Rafaela ia até a recepção fornecer meus dados.
− Você quer que eu chame o Nando?
A enfermeira verificava minha pressão que subitamente deve ter se elevado a níveis consideráveis. Encarei meu cunhado e respondi fracamente:
− Não.
− Mas ele tem que saber que você está mal.
− O Nando… nem se importa…
− Isto é o que você acha.
− Não quero.
Rafaela apareceu quinze minutos depois. Ninguém podia prever que horário eu iria sair de lá. Ouvi nitidamente Guto comentar com ela:
− O Nando tem que saber.
− Eles estão brigados.
− Acho que ele tem que saber – insistiu Guto.
Eu entreabri os olhos e repeti:
− Não
− Você não se sentiria melhor com ele aqui ao seu lado? – murmurou Rafaela.
Claro que sim. Tenho certeza de que tudo ficaria muito melhor se Nando estivesse comigo.
− Não.
− Deixe que eu ligue...
− Ele não… pode ver você… esqueça…
Os dois pararam de falar no assunto e eu cochilei. Não percebi quando Rafa se afastou. De repente escutei a voz dela dizendo:
− O Nando está vindo para cá.
Abri os olhos tensa e encarei os dois. O enjoo voltou.
− O que você…
− Peguei o seu celular e liguei para ele sim – confirmou Rafaela – E ele ficou morto de preocupação, está abandonado uma reunião e vindo para cá.
Meu mundo ficou bem melhor com aquela perspectiva. Nando me amava. Ele estava vindo para ficar comigo. O pesadelo estava chegando ao fim. Rafaela olhou para Guto e comentou:
− Não posso ficar pelos motivos que você já sabe. Largue tudo assim que ele chegar.
E minha irmã desapareceu evitando assim algum reencontro trágico. Dei outra cochilada e quando voltei a abrir os olhos dei de cara com o Nando. A expressão dele estava muito assustada. Sua mão quente acariciava meu rosto frio. E quando eu percebi já estava chorando. Que mico…
− Nando… Nando…
− Meu amor, não fique assim. Acalme-se, eu estou aqui agora.
Era tudo o que eu precisava ouvir. Minha cura se encontrava nas palavras e na presença do Nando ao meu lado. Meu mal estar ainda continuava, porém eu sabia que por pouco tempo.
− E o banco?
− Não vou voltar até você sair daqui – garantiu ele – O que aconteceu, Pauline? Levei um choque quando sua irmã me ligou. Achei que fosse você e de repente ela me diz que encontrou você quase morta, desmaiada no banheiro. O que houve?
“Falta de você”.
− Não desmaiei… só não tive forças para voltar para o meu quarto depois de tudo o que vomitei.
− Você está meio cinza – disse ele acariciando minha testa – Quer água?
− Mais tarde… − murmurei.
Fiz uma pausa e confessei:
− Estou… tão feliz por você… estar aqui.
− Deviam ter me ligado antes.
− Eu não quis.
− Achou que fosse me incomodar? Assim como no lance do seu pai?
− Não… eu nem sabia… não fazia mais ideia se ainda estávamos… namorando.
− Sua boba – e ele beijou meus cabelos – Fique quietinha agora.
E eu fiquei quietinha mesmo, mas meus pensamentos estavam a mil por hora. O que Nando faria se naquele momento eu revelasse quem era de verdade? Será que ele teria coragem de me largar no hospital, fraca, atirada em uma cama? Talvez não, dada a atenção que ele me dispensava. Nem nos meus melhores sonhos eu poderia imaginar que o Nando abriria mão do seu precioso e corrido tempo para vir ficar comigo. Era sinal de que ele me amava. Até quando? Até Deus permitir.
E tudo aquilo que Rafa tinha me jogado na cara martelava na minha cabeça. Sei lá, tive a impressão de que algo não fôra dito durante a nossa discussão e isso teria que ser esclarecido em breve. De preferência, assim que eu saísse daquele maldito hospital.