Minha
relação com a Rafa deteriorou-se a olhos vistos. Ela já nem olhava mais para
mim. O Nando ligava todos os dias, à noite, e eu jamais mencionei qualquer
coisa. Aguentei sozinha toda aquela rejeição.
Partirmos
na sexta-feira, antes de o sol nascer. O tempo já começava a esfriar e eu me
desobriguei a levar meus biquínis. Estar ao lado do Nando era a mesma coisa que
esquecer tudo o que me arrasava. E eu desejava que aqueles três dias durassem
toda a eternidade.
A
pousada ficava em uma praia pequena e pouco frequentada. Nosso quarto era muito
aconchegante, perfeito para nós dois. À noite fomos obrigados a dormir de
cobertor e me vi rezando para poder conseguir atravessar o próximo inverno com
o Nando. Apesar de todo o esforço para esquecer meus problemas, existiam
momentos que eles transpareciam nos meus olhos. Várias vezes percebi o olhar do
Nando sobre mim, como se ele quisesse me decifrar. Era apavorante. Eu estaria
em maus lençóis se ele pudesse ler todos os meus pensamentos.
A
gota d’água veio no sábado ao entardecer. Passeávamos na beira da praia. Um
ventinho frio era a desculpa para que andássemos agarradinhos um no outro.
Nando aproveitou o momento e perguntou suavemente:
-
O que aconteceu que está deixando você tão triste?
Imediatamente
eu tive vontade de chorar para não fugir ao costume. Porém fui forte e engoli o
choro ao responder:
−
Nada.
−
Não me enrole, Pauline. Me conte o que foi. Você não confia em mim?
−
Não é isto – eu caminhava olhando para o chão, afim de que o Nando não
reparasse na minha cara de choro – Não quero chatear você com coisas sem
sentido.
−
Se magoam você, então elas têm um sentido...
−
Mas não para você.
−
Pauline, pare de dar voltas. Quem magoou você?
Respirei
fundo e revelei:
−
Briguei com a minha irmã.
−
De novo? Por quê?
−
Porque ela é uma imbecil.
Ficamos
em silêncio. Dei um tempo e prossegui:
−
Briguei com o resto da família também.
Ele
parou de caminhar e fez com que eu olhasse para o seu rosto.
−
Gostaria que você me contasse este tipo de coisa.
A
preocupação dele me comoveu mais.
−
Não sou de me abrir muito.
−
Eu sei, mas não posso ficar tranquilo sabendo que o mundo está desabando nas
suas costas.
O
esforço que eu fazia para não chorar era quase além das minhas possibilidades.
E olhar para o Nando tornava tudo muito pior.
−
E qual foi o motivo?
−
O motivo sou eu estar aqui. Esqueci que minha mãe faz aniversário hoje. Deve
estar acontecendo uma grande festa em homenagem a ela. Mas eu preferi estar
aqui com você e eles não entendem isto.
−
Por que não me disse? – Nando me repreendeu – Eu desmarcaria tudo.
−
Nando, você não entendeu. Eu estou aqui com você porque eu escolhi assim. Não
há outro lugar no mundo em que mais eu deseje estar.
Ele
me beijou, suavemente. E foi um beijo tão doce que quase levitei.
−
Você faz com que eu me sinta um homem abençoado.
Eu
abracei-o longamente e perdi a noção de quanto tempo ficamos aninhados nos
braços um do outro, nossos corações batiam sincronizados. Então ele sussurrou
no meu ouvido:
−
Eu sempre vou amar você.
Me
enrosquei mais ainda no pescoço dele. Talvez naquele momento, de sintonia
perfeita, fosse a hora exata para contar tudo e acabar com o sofrimento de uma
vez por todas. Eu não podia perdê-lo. Jamais.
−
Nando… - murmurei sem o soltar. Meu corpo tremia todo e meu coração disparou.
−
O que foi?
Nando
tornou a fazer com que eu o encarasse. Tentei abrir a boca para começar a
contar o meu segredo, porém não consegui articular uma sílaba.
−
O que é, Pauline? Você quer me contar alguma coisa?
Balancei
a cabeça, afirmativamente. Sim, eu precisava dizer quem eu era, a prima
distante, filha do ladrão que tentara destruir com a família dele e que vinha
escondendo sua real identidade há quase quatro meses.
−
Então me conte – pediu ele ternamente – Diga para mim o que destrói você por
dentro.
Faltou-me
coragem. Olhei para o rosto perfeito do meu amor e eu lembrei que sem ele minha
vida nunca mais teria sentido algum. Comecei a chorar copiosamente, enroscada
nos seus braços. Depois de uns dez minutos de choradeira total, as palavras
voltaram a minha boca.
−
Nando… tudo o que eu fiz… tudo o que eu faço…
Tive
que interromper para me recompor outra vez.
−…
é somente por amor. Todas minhas atitudes… tudo, absolutamente tudo, é porque
eu amo você mais do que qualquer coisa. Jamais se esqueça disto… Um dia… bem,
um dia isto pode fazer toda a diferença.
Consegui
tocar fundo no coração dele e Nando me abraçou, emocionado também. Ficamos mais
um tempão na beira da praia, até a noite se fechar sobre nós. Ali, sob as
estrelas, eu tive certeza de que jamais o perderia.
Enganei-me
redondamente.
Minha
vida com Rafaela tornou-se irreal. Vivíamos no mesmo apartamento e mal nos
falávamos. Algumas semanas antes de tudo acontecer, eu comecei a ver o Nando
apenas nos finais de semana. Por conta do banco, ele passava os cinco dias
úteis em São Paulo e eu quase morria de saudade. Contudo, quando meu namorado
voltava, passávamos momentos maravilhosos. Secretamente eu torcia para que ele fosse
transferido para a matriz que ficava justamente no centro do país. Na minha
cabeça assim tudo estaria resolvido.
Se
no meu trabalho as coisas corriam bem, o relacionamento com meus pais estava cada
vez pior. Minha mãe não tinha engolido ainda o fato de eu não ter passado o
aniversário com ela e, para piorar, minhas felicitações haviam sido por meio de
uma mensagem através do celular. Calor humano zero. Nunca mais tive coragem de
ligar para meus pais. A comunicação era feita por Rafaela que informava se eu
estava bem ou não. Não sei também se eles tinham vontade de falar comigo.
Alguém precisava cortar o gelo. E eu esperava que partisse do lado de lá.
O
Nando pouco perguntava sobre minha família por saber que isto me machucava.
Depois daquele episódio, na praia, quando quase confessei tudo, eu sempre tinha
a impressão de que ele esperava que a qualquer minuto eu fosse revelar alguma
coisa. Mas o momento tinha passado e a coragem – que era o mais importante –
também. Eu me considerava a pessoa mais fraca do mundo. Um dia, a bomba iria
explodir e eu não estava preparada para as consequências. E os estilhaços
atingiriam muita gente.
so vai ate o capitulo 61??
ResponderExcluirOi, Estela. Desculpe, não tenho tido tempo para postar os demais. Vai até o capítulo 72. Aguarde, em breve os outros virão com mais regularidade.
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